O ano era 2007. O escritor egípcio André Aciman já possuía uma carreira sólida em obras de não-ficção e estava pronto para mostrar ao mundo seu primeiro romance: Me Chame Pelo Seu Nome. Bem construído, bem escrito e com uma história encantadora, o livro sobre o romance de Elio e Oliver foi aclamado pela crítica desde seu lançamento, embora a repercussão na época tenha ficado restrita a um público relativamente pequeno.
Tudo mudou em janeiro de 2017 quando Me Chame Pelo Seu Nome ganhou uma adaptação cinematográfica nas mãos do diretor italiano Luca Guadagnino. O filme protagonizado por Timothée Chalamet (que viveu Elio) e Armie Hammer (na pele de Oliver) foi um sucesso de público e crítica, ganhando o Oscar de Melhor Roteiro e arrecadando em bilheteria um valor 12 vezes maior do que os custos de produção.
O sucesso do filme jogou holofotes no livro, que foi relançado em diversos idiomas (inclusive Português) e vendeu dezenas de milhares de cópias. O final do romance traz pinceladas sobre a vida dos protagonistas por cerca de 20 anos, mas sem dar grandes detalhes. A expectativa sobre a possibilidade de o autor revisitar sua obra e contar em detalhes o que aconteceu com Elio e Oliver ao longo desse período era grande.
Eis que Aciman resolveu atender os pedidos do público e anunciou que estava escrevendo um segundo livro sobre a história dos personagens. “Me Encontre” foi lançado em outubro de 2019, cercado de expectativas por parte do público e também da crítica. Mas é como diz aquele ditado “quanto maiores as expectativas, maiores as chances de se decepcionar”. Me Encontre é… decepcionante. E digo isso sob todas as ópticas que se possa analisar.

Livro se perde tentando se encontrar
Um dos personagens mais interessantes de Me Chame Pelo Seu Nome é Samuel, pai do jovem Elio. O diálogo entre pai e filho no final do livro (e do filme) é apontado por muitos como o ponto alto da obra. Ciente da popularidade do personagem, Aciman resolve começar a história de “Me Encontre” dando protagonismo a Samuel – o que em tese é uma ótima ideia.
Estamos dez anos a frente dos acontecimentos de Me Chame Pelo Seu Nome e, portanto, em algum lugar da década de 90. Samuel está em um trem cortando a Itália a caminho de Roma, para visitar o filho Elio – agora um pianista tentando construir carreira. Sentado ao seu lado no trem, há uma jovem e temperamental moça, Miranda. À medida que a viagem avança, Samuel e Miranda vão se abrindo um com o outro e contando um pouco sobre suas vidas (enquanto divagam bastante sobre prazeres e infortúnios da existência).
Em determinados momentos, Samuel a Miranda tagarelam tanto que dá a impressão que eles mesmos se perdem nas próprias reflexões.
Não é difícil de imaginar que dali vai sair um ardente romance – que se concretiza assim que os dois desembarcam do trem. Seria uma maneira curiosa e interessante de abrir o livro, se essa história não durasse mais de 100 páginas!
Essa é a primeira grande frustração de quem lê “Me Encontre”. Esperar ansiosamente pelo encontro entre Samuel e Elio, pai e filho, mas ter lidar com uma história que parece uma versão repaginada de Antes do Amanhecer e que dura um terço do livro. Mas Eis que finalmente Elio entra na história. Será que agora vai?
Por um instante o leitor volta a sorrir, ansioso para que o “Me Encontre” que dá título ao romance finalmente faça sentido e possamos acompanhar Elio e sua busca por Oliver ou, pelo menos, sua busca por si mesmo. Mas… nada disso acontece. No lugar recebemos mais 100 páginas de Elio se envolvendo com um homem descrito como “muitos anos mais velho”. E aqui está um dos principais problemas de “Me Encontre”: nada nessa versão do Elio lembra o personagem de Me Chame Pelo Seu Nome. Apesar de só ter 27 anos, o personagem age, fala e se comporta como se tivesse prestes a deixar essa vida.
Essa mudança brusca de personalidade até poderia fazer sentido se fosse bem construída, afinal dez anos é muito tempo e Elio teve seu coração destroçado ainda na adolescência. Mas não há construção eficiente, não temos sequer tempo para mergulhar fundo nas emoções do personagem já que o autor opta por nos encher com páginas e páginas de um romance que não convence e não tem força narrativa para cativar o público.
O bravo leitor que passa por essa fase e chega a última parte do livro espera que suas preces sejam atendidas e, apesar do fiasco até aqui, tenhamos um encerramento digno. Nessa parte final, mais curta, somos convidados a ver como Oliver está e como é sua vida nos Estados Unidos. Não há muita coisa interessante nesse recorte, mas pelo menos há um ponto positivo para o autor: Oliver continua Oliver. Não houve descaracterização do personagem e ainda conseguimos ver nessa versão madura o mesmo rapaz de anos atrás.
Nas últimas páginas do livro, André Aciman finalmente dá o que o leitor tanto queria, mas é tarde demais. Cansado, frustrado e ansioso, o leitor que chega até aqui não tem sua vontade saciada por uma dúzia de páginas. Na boca fica o gosto amargo do que “Me Encontre” poderia ter sido, mas não foi. Uma pena.
Me Chame Pelo Seu Nome 2 é confirmado
Luca Guadagnino confirmou que filmará uma sequência para Me Chame Pelo Seu Nome. Timothée Chalamet e Armie Hammer revisitarão seus papéis e as filmagens devem começar entre 2021 e 2022. A grande pergunta que fica no ar é: o diretor vai se inspirar em “Me Encontre” ou produzirá um roteiro completamente novo para essa sequência?
Ainda não temos essa resposta, mas a julgar pela péssima recepção da crítica para “Me Encontre”, há esperança de que Guadagnino honre o Oscar de Melhor Roteiro do drama e construa uma história melhor para Elio e Oliver.
Renomados veículos como a revista The New Yorker e o The Wall Street Journal não pouparam críticas ao livro, chamando-o de “sequência rasa” e dizendo que “Aciman criou casais nada atraentes e nada românticos”.
Hammer também parece ter receio sobre uma possível sequência desastrosa. Em entrevista à Vulture, o ator falou sobre o segundo filme: “Se tivermos um roteiro incrível, e o Timmy e o Luca estiverem dentro, eu seria um babaca se dissesse não [ao projeto]. Mas ao mesmo tempo, eu fico tipo, ‘Era uma coisa tão especial, por que não podemos deixá-la quieta?'”.
Como será Me Chame Pelo Seu Nome 2? Só o tempo dirá. Uma coisa é certa: apesar de uma desastrosa sequência literária, o primeiro filme e o primeiro livro continuam intactos como duas das melhores produções dos últimos tempos. Que a sequência faça jus a esse legado.
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